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ENTRE A PRIMAVERA E O VERÃO
os meus sobrinhos são o mais parecido que tenho
com a minha infância
gosto deste tempo,
do perfume venturoso das ervas frescas,
do modo como as manhãs nos ressuscitam das noites insones
e do torpor.
gosto deste sol que rutila numa parte da montanha
e torna mais vívidos os lugares da água,
da vermelhidão dos cravos,
dos olhos dos pássaros,
de tudo
os meus sobrinhos brincam no pátio, alteiam a voz,
imitam a imensidão dos gatos
pedem-me às vezes uma história,
pedem que lhes faça pendular o baloiço,
que inculque no seu tempo um lugar novo, indecifrável
entre a primavera e o verão – é aí que encontro
o meu próprio eu,
a minha secreta preferência pelas coisas,
a minha plenitude
a água corre ao tanque
e os pardais lavam o ar com o seu labor incessante.
olho as cerejas e os morangos entre as folhas
e os meus sobrinhos sorriem comigo
é aí, algures no quintal – é aí
que encontro esse bem que tão bem conheço
e de que tão pouco (ainda hoje) posso ou sei dizer
a infância é a melhor definição do amor
afortunado quem assim a descortina,
cismando nas crianças que brincam
sem ideia da luz
que ao redor de si e dos outros fazem transbordar
absolutamente álacre e limpa