vento forte,
fitas plásticas esvoaçando como loucas
no quintal,
ramalhar de palmeiras
e de fios telefónicos,
molas coloridas no chão,
pássaros a pique,
restolhos,
estrépito de portas,
algaraviada geral.
o dia hoje nasceu demente,
mal o seguro no tripé
a cabeça, ao contrário do começo deste mês, pesa e cai desgraçadamente. como as luminosas pétalas do limónio desagrega-se e há espinhos à volta dela que a defendem e sitiam e estrangulam
sobre a mesa não se conjuntam já os copos, os sumos, o ardor da geleia, a fruta
cada um tomará o pequeno-almoço na sua hora e muitos de nós já partiram. as noites de calor intenso intervalam agora com serões de nevoeiro e a cama na solidão ouve o ranger da insónia e da lua
– a lua cheia de agosto –
quem me dirá porque, sobreposto à neblina, o seu halo me parece um enfermo saltando no sargaço, ferindo-se nas conchas partidas, doendo entre as mãos?
se mergulho no seu aroma húmido, verei o paulatino desfilar das minhas mulheres, da mais nova, daquela cujos seios há muito beijei não sabendo o que fazia, da outra, da que me rasgou o orgulho como se rasga um corpo com punhal, daquela a quem confiei segredos inexistentes e de que fujo ainda em duas décadas de vergonha
agosto é um precipício, uma sedição, este cheiro que nos afunda, nos aconchega, nos estrangula
agora já só restam alguns dias. cabe-me recolher as espreguiçadeiras, dobrar os panos de cozinha, fechar as portas
o último dia deste mês será como ter atingido a outra parte do mesmo continente longínquo
aí também eu serei estrangeiro. aí também eu serei um apátrida
exaspera-me esta calma aparente. agosto quase no fim é um mês muito outro daquele que no começo me levava de azul em azul através do espaço. agora o céu é cinzento e a calma é superficial, como a véspera de alguma coisa que não se conhece bem. sei que os braços, e sobretudo a cabeça, me doem e pesam. é como se em vez de ar carregassem mágoas, ou pesadelos, ou a ameaça de uma morte. enerva-me a inexatidão dos sentidos. e por isso levanto-me e vou caminhar. também o coração se parece de chumbo. também ele me exaspera