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PAISAGENS DE OUTONO
talvez uma aranha negra se passeie pelo trapézio das estrelas.
patas de veludo poliram o firmamento neste mês de outubro:
antigas constelações rebrilham como lentos castiçais
os meus olhos, presos ao sortilégio da teia, pensam
nos teus próprios olhos, na água tépida que os faz descer à terra
quando a fadiga ordena que assim seja
•
a pequena tromba do poema filtra a luz dos frutos,
rigorosa probóscide, de tronco em tronco, todas as manhãs
sumarentas peras, figos, uvas carnudas, dióspiros:
não possuímos nome para estes meses de agora, mas árvores sim,
árvores com o quilate do mel coroando-se no silêncio
•
meio-dia: silêncio.
meticulosamente guardamo-lo nos frascos de compota
a doçura do sol torna-o líquido (e precioso),
como o ouro limpo de um lingote
•
depois, à tarde,
recosto-me numa cadeira de vime, por dentro das cortinas
escuto a paz,
escuto-a atentamente, como se o fizesse com os longos músculos vibrantes
de uma peça de Bach
ao longe rebanhos, chocalhos dispersando
como descobrirá a noite o caminho de regresso por entre
as colunas de fumo?
•
a murta desenha um retângulo ao redor dos meus pés.
como as sombras de um jardim, não passarei
para lá do meu próprio corpo
•
meia-noite:
cavilhas de um aço eternamente novo pregadas ao cosmo:
com as estrelas construo o meu alpendre
como sucede nos concursos de teatro amador, elas
são um o melhor espetáculo, porém ninguém as espreita
outubro de 2013
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