Arthur Streeton, Tojo do início do verão em flor, 1888
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EM NOME DA LUZ
perdoa, perdoa tudo.
em nome das manhãs frescas
dos dias quentes, em nome das ervas
que são ervas mas valem
o teu poema, em nome das prístinas vozes
dos pássaros que se assenhoreiam da terra,
em nome da luz
Mendonça encontrava deus nos baldios,
Eliot descobriu-o (a ele e a três leopardos albinos)
debaixo de um junípero azul,
Cocteau tocou-o na face mais fresca
da almofada
aos quarenta e cinco preocupa-me
em lado nenhum o ter descortinado ainda
talvez desconfie do vento, do vento que desalinha
os cabelos e nos enregela os ossos,
quando rente ao mar caminhamos lado a lado
e nevoenta – espumosa – a tarde cai sobre a cidade
e dedos longínquos de vapor – invisíveis –
acendem e ocultam e amam os lampiões
noutra parte da casa guardam o vinho, o azeite, o mel,
as nozes –
ânforas e vasilhas, cântaros, tulhas,
mas também a palha e o serrim, o pó,
teias de aranha gigantescas, pegadas de roedores
a forma talhada do silêncio
é um tesouro mal visitado,
casto, sem ar
debaixo da terra, num buraco, guardou o avô
cartas que a luz não pode ler.
e eu penso nesse lugar morto,
no quanto as palavras devem assentar
e não ferir –
digamos, como sucede nos sonhos
onde as palavras devoram metal,
mas que ninguém escuta
de tão calafetadas e duras que são
guardam aí o inominável,
ecos, vagas alusões, cheiros humedecidos
de papel e tinta, estalidos nas traves,
gritos que o tempo apagou
em resumo, um silo enorme a nossa vida –
cântaros, arcas, potes e bilhas,
sacos de serapilheira empilhados no escuro,
no nada
vou contar-te:
agora mesmo
a minha pele arrepiou-se
ao sentir a luz
e quando deslizou sobre
as palmas floridas
da citronela
e depois ao escutar no quarto
o ranger da madeira
na velha escrivaninha
embrenhar-me na penumbra como na garganta de um bosque.
lado de cá, lanterna acesa, formações de gelo,
marcas de botas, estrias na terra.
depois a lanterna desligada, a ardósia celeste, a poalha luminosa,
álgidas estrelas de aço
torniquetes para o além: ninguém arrisca dizer qual
bem-aventurados os desventurados que nada
possuirão neste mundo e no outro também não.
por isso regressei a Paris, a Villiers
à pequena padaria onde nos conhecemos
e nos despedimos da primeira vez:
pedi un croissant aux amandes e também o amor
que então me prometeste como se promete a eternidade
– id est, com a lisura do olhar