
.
AS GINGKO BILOBAS DE HIROSHIMA
Para Tsutomu Yamaguchi, engenheiro naval, o mais célebre dos hibakusha
Para Akira Hasegawa, professor, cujos corpo e casa desapareceram pelo ar, como pó de borboletas
.
depois do terror foi preciso limpar a cidade.
os funcionários imperiais vinham em turnos,
metiam as pás nos restos polvorentos da pedra,
varriam a lama de um lado para o outro,
ouviam o vento ganir nas cinzas – o pior de tudo era
este assobio do silêncio, esse guinchar do ferro nas aérolas sem vidro,
nos escombros das pontes que dançavam como dobradiças,
nas cabeças que morriam mais devagar do que os outros órgãos
os funcionários do império iam
e vinham em turnos
às vezes retiravam e apertavam o barrete cheios de comoção,
guardavam em pequenos sarcófagos de cedro
os esqueletos não inteiramente consumidos pelo grande lume
foi preciso – foi preciso – reaprender
o mapa do pensamento:
ali era o zoológico, acolá a escola primária,
aquilo – aquela sombra calcinada no pavimento – uma mulher
com o filho ao colo
às vezes caía-se de joelhos no lugar exato
que havia sido o esconderijo puramente intacto de um rito,
de um beijo, de uma despedida
nunca as palavras se pareceram tão poucas no entulho,
nem tão amargas,
nem tão dementadas
meses a fio repetiu-se o desmantelar, o esquecer,
o prosseguir – o pior de tudo era
o caroço da morte,
o modo como escancarava ela a garganta
e permanecia
Ichiro Kawamoto, a quem Philip Levine dedicou
um poema portentoso, afirmava que na primavera de 46 aconteceu
um milagre:
aí por meados de março, algum verde soltou a língua
na paisagem infernal
– olhávamos e víamos brotos sair dos ramos espedaçados
das gingko bilobas,
renasciam pequenas pontas impregnadas de seiva
e isto – pensavam os funcionários do imperador –,
isto – pensamos nós – isto queria dizer alguma coisa