nesse ano o quinquilheiro não apareceu. esperámos por ele como se espera um dia de sol, como se aguarda uma notícia vinda de França, como se adivinha uma ninhada de pintos por Santo António
mas nem sinal da furgoneta, da buzina de fole, das ferragens batendo umas nas outras
a minha mãe contava comprar-lhe, se não me engano, um alguidar de cobre. via-o já polido e brilhante, arrubinado, como a cor de um arrebol um pouco antes do dia e do anoitecer
o adro encheu-se de gente, uns para trazer, outros para levar bugigangas, mas o descarado não veio
a luz foi minguando, até que os que ali restavam mal se viam uns aos outros. por fim também eles debandaram. só um cachorro sem dono ficou, aninhado sob os braços do grande damasqueiro do padre Francisco
o inverno entrou pelos portões do cemitério
mortas de desgosto, as ervas tombavam no intervalo das pedras. a tremer, coberto pelas finas camadas do frio, abri a porta de casa
a estrada vinha ter comigo
e eu conduzia-me vagaroso pelos meus sonhos mais longínquos.
havia charcos, folhas, insetos afogados no alcatrão.
pelo vidro a chuva espiava-me e tinha arrepios
o inverno acabava de transpor a última cancela
na várzea sombria