jurámos cuidar de ti a despeito de toda a peçonha,
de toda a inoculação, a despeito de toda a maleza
multiplicada no sangue
jurámos que por uma vez na vida
tomaríamos no corpo o sacrifício de Eneias,
abdicando da pronta bastardia dos luxos
por amor a ti,
princípio de todos os princípios
regressámos hoje a este lugar pelágico
onde as runas e os líquenes vermelhos cobrem os rochedos,
onde a antiga voz de deus corre às dunas e ao sol
para reencontrar-se com o brilho frágil
das gramíneas
depois que partiste
todo o espaço pareceu encarquilhado e rude.
a miséria da dor afundou-nos os olhos
e silenciou as palavras
porém este lugar acicata.
como um sopro lançado às brasas, faz-nos caminhar
horas infinitas pelos corredores do vento
e com o mar em fundo
voltamos por isso a nós,
renascentes parturidos do âmago do fogo, aos poucos,
de outro tempo, noutro corpo
Maria Alice Pereira Costa 08-06-1956 – 21-09-2024 in memoriam
.
por muito que o outono nos doa nos olhos e funda soçobre a vontade, por muito que de nós se aparte o sorriso e maior se enegreça o silêncio entre as furtivas horas, por muito que se esmague contra nós o peso da memória (amargado pela distância), teremos sempre esta paz das manhãs, esta concessão da luz, este preço limpo dos gestos e palavras impolutas
para onde tu fores nós iremos, mãe. por muito que nos fujas, perseguiremos nós a tua mão
escolhe um bom lugar para morrer, não permitas que as circunstâncias banalizem a tua vida, mesmo que seja a vida do fim, mesmo que igual a um grão de alface a despenhar-se na terra, mesmo que aquela vida que te destrona noutra coisa
escolhe um bom lugar para morrer, um candeeiro aceso, uma gota de água, o bico de um pássaro
partir não é uma minudência qualquer. nenhuma criatura deve abandonar este mundo à toa, mas a bem, sem pressa, ocupando um relâmpago na memória
não permitas que te soneguem o derradeiro impulso da alma: filho, quando morreres, morre em paz!