vento forte,
fitas plásticas esvoaçando como loucas
no quintal,
ramalhar de palmeiras
e de fios telefónicos,
molas coloridas no chão,
pássaros a pique,
restolhos,
estrépito de portas,
algaraviada geral.
o dia hoje nasceu demente,
mal o seguro no tripé
hoje ao entrar na amendoeira de van Gogh
calei todos os meus impulsos.
o vento era um tudo-nada mais forte,
o branco ardia no azul,
algures evaporava-me
Jean-Baptiste-Siméon Chardin, Natureza Morta com Frutas, Jarro e um Copo, 1728
.
NATUREZA MORTA, CHARDIN
água vertida no fundo de um copo, quietíssima,
meia broa rodeada de frutos silvestres ao estilo de Chardin,
todas as impurezas e insetos retirados de cena,
extraídas todas as discrepâncias e traços excessivos,
nenhuma palavra e apesar disso a exatidão,
nenhum movimento e ainda assim constrangido o rosto
hipnotizados pelo instante, pelo apelo do silêncio fulgurante,
estudamos o pequeno esqueleto de cada gesto,
a fulgência inerte do pensamento,
nem um abelhão zumbidor atravessando-se na luz,
nem uma só rasura chicoteando na sombra,
uma natureza morta, nascida em cada ângulo do olhar