A poinsétia

Fotografia de Jessica Fadel

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A POINSÉTIA

no vaso perdura o vermelho vivo da poinsétia.
é um prodígio que ao cabo de tantos anos este presente de Natal
não haja sucumbido aos agrores do tempo e continue,
no seu silente veludo em forma de estrela, a lembrar a amizade
de pessoas que se estimam, mesmo que ao fim de tantos anos,
mesmo que estejamos, agora, cada qual, do seu lado oposto
das duas portas do mundo

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O cão abandonado

Fotografia de Collab Media

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O CÃO ABANDONADO

os amigos reconhecem-se entre si
mesmo que ao cabo de muito tempo,
pese a distância que é capaz às vezes de armar falácias
no interior dos nossos olhos míopes,
ainda que a alegria deles possa manifestar-se
no corpo inocente de um cão que deitaram à rua
e que, no seu infortúnio, não espera já
nada ou ninguém

Mirandela, 08.12.2025

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Sobre as mãos

Fotografia de Alexander Grey

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SOBRE AS MÃOS

a algidez sobre as mãos deve-se não tanto
às manhãs de dezembro, mas ao lugar sombrio
de onde provêm as palavras, como se a noite
– na sua forma de cinza – pudesse permanecer
por elas e dentro e contra nós

02.12.2025

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O caos

Fotografia de Hulki Okan Tabak

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O CAOS

os dias atropelam-se às vezes na mesma linha
em que as manhãs pedem um poema

sabemos que o tempo é outro
quando o crocitar das gralhas interrompe a neblina do bosque
e nos torna permeáveis ao frio

deus, talvez uma variável do silêncio, mostra-se
um pouco mais nas mãos

sabemos que o tempo lhe pertence
porque a pele se tinge de medo e de euforia ao sol
e se entrega por completo ao esquecimento

palavras que não são nossas perpassam o ar gélido
e percutem, não indefesas mas caóticas

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Um cigarro

Fotografia de Enes Dincer

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UM CIGARRO

era preciso que falássemos,
que abríssemos entre nós
o conforto das manhãs desassombrosas
e o cheiro do mar posto
no aroma do café
ou num cigarro

não precisávamos de palavras,
precisávamos de comunicar

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Uma Poética

Fotgrafia de Bernard Hermant

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UMA POÉTICA

a leveza do sol atravessa os tecidos no estendal
e o orvalho, perpassa o crânio
e o fundo pedregoso da inteligência, é tão
subtil como se caísse de poro em poro sem existir

cheia do seu daimon a voz estremece um pouco sobre o abismo
mas relembra-se, vai cair no firmamento porém
alcança um milímetro mais

algo cresce em equilíbrio, equidistante e equilátero,
redondo e sonoro, vazio e significante, de agora
e de sempre, nosso e inumano, tensionando
como um parafuso esquecido da dor

quem sou per-
gunto. per-
guntar é o trabalho do universo

17.11.2025

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Nihil

Fotografia de Sven Fennema

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NIHIL

a casa em repouso absoluto, alicerces,
paredes, placas de betão

manhã, tarde, noite, o futuro, o presente, o passado,
rasto de cinza o tempo, de pé, ao alto, ainda,
como se um escombro pudesse ser belo

e é!

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