Lavra, Matosinhos

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LAVRA, MATOSINHOS

regressámos hoje a este lugar pelágico
onde as runas e os líquenes vermelhos cobrem os rochedos,
onde a antiga voz de deus corre às dunas e ao sol
para reencontrar-se com o brilho frágil
das gramíneas

depois que partiste
todo o espaço pareceu encarquilhado e rude.
a miséria da dor afundou-nos os olhos
e silenciou as palavras

porém este lugar acicata.
como um sopro lançado às brasas, faz-nos caminhar
horas infinitas pelos corredores do vento
e com o mar em fundo

voltamos por isso a nós,
renascentes parturidos do âmago do fogo, aos poucos,
de outro tempo, noutro corpo

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Chuva

Fotografia de Antonio Grambone
Fotografia de Antonio Grambone

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CHUVA

em certos lugares encontra-nos a noite
caindo nas mãos um do outro
como duros pedaços de antracite
que o lume seca e lava
e fragmenta

a desolação produz poças negras e viscosas,
em cujo silêncio mergulha às vezes
um corpo exangue

dói quase tudo,
uma frase presa na traqueia,
a chuva desamparada no varandim,
o inseto afogado na água,
o tempo que devagar nos morre
no ódio comum

nada nos salva,
nem a poesia,
nem a invisível chama dos olhos marejados,
nada

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