o cheiro das cinzas é quase
tão indecifrável quanto
a efusão da tinta.
com elas escrevemos
não palavras, mas o silêncio,
não a manhã, mas memórias,
não o fim, mas um rosto –
também ele impossível
de dizer,
seja de que forma for
Vincent van Gogh, Amendoeira em Flor (Almond Blossom), 1890
.
A AMENDOEIRA DE VAN GOGH
hoje ao entrar na amendoeira de van Gogh calei todos os meus impulsos. o vento era um tudo-nada mais forte, o branco ardia no azul, algures evaporava-me
Jean-Baptiste-Siméon Chardin, «Frutas, Jarro e um Copo – Natureza Morta», 1728
.
NATUREZA MORTA
água vertida no fundo de um copo, quietíssima, meia broa rodeada de frutos silvestres ao estilo de Chardin, todas as impurezas e insetos retirados de cena, extraídas todas as discrepâncias e traços excessivos, nenhuma palavra e apesar disso a exatidão, nenhum movimento e ainda assim constrangido o rosto
hipnotizados pelo instante, pelo apelo do silêncio fulgurante, estudamos o pequeno esqueleto de cada gesto, a fulgência inerte do pensamento, nem um abelhão zumbidor atravessando-se na luz, nem uma só rasura chicoteando na sombra, uma natureza morta, nascida em cada ângulo do olhar