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CASA DE PRAIA
manhã de agosto.
agora já só restam alguns dias
a cabeça, ao contrário do começo deste mês,
pesa e cai desgraçadamente.
como as luminosas pétalas do limónio
desagrega-se
e há espinhos à volta dela que a defendem e sitiam
e estrangulam
sobre a mesa não se conjuntam já
os copos, os sumos, o ardor da geleia,
a fruta
cada um tomará o pequeno-almoço na sua hora
e muitos de nós já partiram.
as noites de calor intenso intervalam agora
com serões de nevoeiro
e a cama na solidão ouve o ranger da insónia
e da lua
– a lua cheia de agosto –
quem me dirá porque, sobreposto à neblina, o seu halo
me parece um enfermo saltando no sargaço,
ferindo-se nas conchas partidas,
doendo entre as mãos?
se mergulho no seu aroma húmido, verei
o paulatino desfilar das minhas mulheres,
da mais nova, daquela cujos seios há muito beijei
não sabendo o que fazia,
da outra, da que me rasgou o orgulho como se rasga
um corpo com punhal,
daquela a quem confiei segredos inexistentes
e de que fujo ainda em duas décadas de vergonha
agosto é um precipício,
uma sedição,
este cheiro que nos afunda,
nos aconchega,
nos estrangula
agora já só restam alguns dias.
cabe-me recolher as espreguiçadeiras,
dobrar os panos de cozinha, fechar as portas
o último dia deste mês será como ter atingido
a outra parte do mesmo continente longínquo
aí também eu serei estrangeiro.
aí também eu serei um apátrida