
.
UM HOMEM EXATAMENTE ASSIM
conheci um homem cuja obsessão era o peso da terra,
o peso que as coisas fazem ou têm sobre a terra,
as coisas que os homens fizeram e não as que deus fez,
o peso portanto das coisas que são a obra dos filhos de deus,
coisas que são os prédios e as pontes, as finanças e a filosofia.
esse homem vivia na crença de que a terra ia afundar-se,
tinha a certeza de que se afundaria com o peso excessivo do homem,
e vivia, portanto, digamos, numa loucura ansiosa
cada vez que um terramoto abria brechas pavorosas no chão
esse homem levantava o pensamento à altura de uma praga
e dizia
os homens puseram peso demais sobre as minhas costas
e as minhas costas sacodem-se, coitadas,
são como a baleia no conto de Simbad.
isto vai acabar mal
cada vez que um furacão devastava à dentada a carne de uma cidade,
ou cada vez que um incêndio engolia com a sua língua atroz
todas as formas de todas as coisas julgadas seguras,
esse homem repetia-se,
as coisas pesam demais, as coisas pesam excessivamente.
o ponto fraco de cada coisa é a sua pata assente no desconhecido
e deus desfere às vezes um contragolpe irrespondível.
isto vai acabar mal
tenho a dizer-vos que na poesia todos os homens são desta loucura,
ou desta infame grandeza que olha as coisas
não como coisas em si, mas como a causa que as coisas são,
e por isso os homens loucos na poesia procuram o dizer sublime
como se procura um bote ou uma prece ou um minuto para pensar.
são homens que pensam que todas as coisas esmagam
e que as coisas redundam em pó
conheci uma vez um poeta. tenho a dizer-vos:
era um homem exatamente assim
.
