ESTA MANHÃ O SILÊNCIO

Nuno Araújo
Fotografia de Nuno Araújo

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ESTA MANHÃ O SILÊNCIO

esta manhã o silêncio subiu pelas paredes e pelas asnas,
trepou as travincas, as teias altas, as cérceas geladas

e atravessou a pedra, o cimento, as fissuras, o próprio ar

sou agora toda a minha vida, toda a minha vida,
e a casa estremeceu e as palavras (ferro congelado)
doeram nas mãos

ESTE É O FEUDO DO VENTO

Karsten Wrobel
Fotografia de Karsten Wrobel

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ESTE É O FEUDO DO VENTO

este é o feudo do vento.
compassivos os grandes rochedos de granito
oferecem-nos o ventre

pintaremos nesta gruta mãos de ocre amarelo,
de cinza, de sangue.
o azul é mais difícil: será preciso
esmagar o céu, esboroá-lo com raiva

mas isso, isso não nos compete

DENTRO DE CASA OS OLHOS

Viktor Cherkasov
Foto: Viktor Cherkasov

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DENTRO DE CASA OS OLHOS

dentro de casa os olhos rodam,
linhas seguras, móveis lisos, corredores e livros,
artefactos,
uma lâmpada

os olhos desventram, procuram

andaimes de vazio, o envelope esgarçado,
a carta, a luz
– olhá-la, que desterro!

novembro de 2015

PELAS FRINCHAS DA GARAGEM

Alberto Ghizzi Panizza
Foto: Alberto Ghizzi Panizza

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PELAS FRINCHAS DA GARAGEM

pelas frinchas da garagem
entram os dedos da lua

depois é um eco de velhas sucatas
adormecidas, cablagens e
candeeiros a petróleo, caixas de
sapatos e bonecos de caco,
coisas dispersas, despejadas pelo
tempo ao acaso através da pele

sem rasto é o cheiro do silêncio,
o rosto que nos pertencia
e hoje não passa de gelo talhado
a esmo, por entre as frestas
da memória

11 de maio de 2011