BRUXELAS

Bruxelas
Fotografia de Céu Mota

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BRUXELAS

de noite todos os olhos são gatos
foi o que pensei naquela varanda de hotel
em Bruxelas, enquanto sobre nós
(em direção a Zaventem)
descia o ronco dos aviões
e o fumo de um cigarro nos embrulhava
aos dois, caçado e caçador, e vice-versa

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VENDE-SE

Bragi Ingibergsson - BRIN
Fotografia de Bragi Ingibergsson

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VENDE-SE

cotos de sabão secando nas margens do tanque,
frascos vazios e teias de aranha no parapeito das janelas,
algum fruto esquecido,
triste até à exaustão

dentro das gavetas naftalina,
peças brancas de linho, cambraias, lenços, os coturnos de lã

a esmo, no remanso de uma caixa de sapatos, os óculos,
os teus alfinetes, retratos ovais cor de sépia,
suponho que duas ou três algumas cartas,
não de amor mas dos filhos, do ultramar,
o bilhete de identidade com o dizer “vitalício”

alguém juntou tudo à pressa

fecharam os portões com arame e um cadeado grosso,
puseram à mostra, em letras gordas, a vermelho,
as palavras “vende-se”

depois veio da imobiliária uma moça loira, de minissaia

percebia bastante destas coisas,
torceu o nariz mais do que uma vez,
disse que da casa não era de esperar grande coisa

as saudades estão hoje ao preço da chuva

PELAS FRINCHAS DA GARAGEM

Alberto Ghizzi Panizza
Foto: Alberto Ghizzi Panizza

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PELAS FRINCHAS DA GARAGEM

pelas frinchas da garagem
entram os dedos da lua

depois é um eco de velhas sucatas
adormecidas, cablagens e
candeeiros a petróleo, caixas de
sapatos e bonecos de caco,
coisas dispersas, despejadas pelo
tempo ao acaso através da pele

sem rasto é o cheiro do silêncio,
o rosto que nos pertencia
e hoje não passa de gelo talhado
a esmo, por entre as frestas
da memória

11 de maio de 2011