a manhã é limpa, silenciosa, veemente.
do fundo da terra ergue-se um nome
que agora é sol,
que agora é um sussurro de erva,
que agora é uma saudade em nós imersa
a manhã é paz, blandícia, ternura.
quem respira respira fundo,
ainda que doendo por dentro os olhos,
ainda que ardendo o lugar escuso
onde o vazio se confunde com o amor
a manhã é limpa, silenciosa, veemente.
somos leves e castos
como o verde depois da tempestade.
nalgum canto do universo, em nós,
um grande bem acordou
depois é um eco de velhas sucatas adormecidas, cablagens e candeeiros a petróleo, caixas de sapatos e bonecos de caco, coisas dispersas, despejadas pelo tempo ao acaso através da pele
sem rasto é o cheiro do silêncio, o rosto que nos pertencia e hoje não passa de gelo talhado a esmo, por entre as frestas da memória
a cabeça, ao contrário do começo deste mês,
pesa e cai desgraçadamente.
como as luminosas pétalas do limónio
desagrega-se
e há espinhos à volta dela que a defendem e sitiam
e estrangulam
sobre a mesa não se conjuntam já
os copos, os sumos, o ardor da geleia,
a fruta
cada um tomará o pequeno-almoço na sua hora
e muitos de nós já partiram.
as noites de calor intenso intervalam agora
com serões de nevoeiro
e a cama na solidão ouve o ranger da insónia
e da lua
– a lua cheia de agosto –
quem me dirá porque, sobreposto à neblina, o seu halo
me parece um enfermo saltando no sargaço,
ferindo-se nas conchas partidas,
doendo entre as mãos?
se mergulho no seu aroma húmido, verei
o paulatino desfilar das minhas mulheres,
da mais nova, daquela cujos seios há muito beijei
não sabendo o que fazia,
da outra, da que me rasgou o orgulho como se rasga
um corpo com punhal,
daquela a quem confiei segredos inexistentes
e de que fujo ainda em duas décadas de vergonha
agosto é um precipício,
uma sedição,
este cheiro que nos afunda,
nos aconchega,
nos estrangula
agora já só restam alguns dias.
cabe-me recolher as espreguiçadeiras,
dobrar os panos de cozinha, fechar as portas
o último dia deste mês será como ter atingido
a outra parte do mesmo continente longínquo
aí também eu serei estrangeiro.
aí também eu serei um apátrida