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KAVAFIS, ALEXANDRIA, 1933
odres rasgados, mesas de pinho postas ao contrário,
almotolias sangrando sobre o serrim,
ameaças, insultos, o brilho de uma cimitarra.
os facínoras, os sovinas, os caloteiros, os delatores, os maricas,
os putanheiros, os sicofantas
‒ como se atraem uns aos outros!
em silêncio, velho Konstantinos, pensas em Homero, em Ulisses,
pensas em pedaços de papel,
nos aparos derrubados, na tinta, no mata-borrão.
depois, encharcado com o ar húmido de uma manhã de março,
a casa regressas,
onde o cancro te espera para melhor te matar
sempre o caos e a ordem,
o que é e o que podia ter sido, o que era antes e o monstruoso depois,
inseparáveis sempre, como as duas serpentes do caduceu!
muitas vezes em silêncio se escuta muitas vezes o esgaravatar da poesia
‒ e uma vela bastaria (nisso pensas, velho Kavafis)
para iluminar toda a caverna da Górgona