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CAVE
noutra parte da casa guardam o vinho, o azeite, o mel,
as nozes –
ânforas e vasilhas, cântaros, tulhas,
mas também a palha e o serrim, o pó,
teias de aranha gigantescas, pegadas de roedores
a forma talhada do silêncio
é um tesouro mal visitado,
casto, sem ar
debaixo da terra, num buraco, guardou o avô
cartas que a luz não pode ler.
e eu penso nesse lugar morto,
no quanto as palavras devem assentar
e não ferir –
digamos, como sucede nos sonhos
onde as palavras devoram metal,
mas que ninguém escuta
de tão calafetadas e duras que são
guardam aí o inominável,
ecos, vagas alusões, cheiros humedecidos
de papel e tinta, estalidos nas traves,
gritos que o tempo apagou
em resumo, um silo enorme a nossa vida –
cântaros, arcas, potes e bilhas,
sacos de serapilheira empilhados no escuro,
no nada
guardamos tudo –
o vazio, ele também